no final de
semana fiquei pensando que isso, este confinamento, é um tipo de exílio, um
estar fora do território em que normalmente se vive, e não porque não queremos
seguir onde estávamos, mas porque não podemos. não podemos estar no espaço
comum, sob o risco de nos matarmos uns aos outros, de provocarmos um colapso no
sistema. ou em nós mesmos.
o exilado
sempre se pergunta se não deveria voltar para o lugar de onde saiu, se pergunta
sempre se a lembrança que tem da falta de condições para estar vivo não seria
fruto da sua imaginação, se pergunta se de verdade estava ameaçado, uma vez que
as maiores ameaças à vida humana são quase sempre invisíveis ou difusas. do que
é que escapamos quando nos exilamos? e quando nos isolamos, o que é que
encontramos. nem todo mundo se exila ou se isola porque quer.
na guerra,
por exemplo, há campos de refugiados, há campos de concentração, campos de prisioneiros, campos
de trabalhos forçados, sanatórios para tuberculosos, hospitais de campanha onde
se morre sem um último gole de água. e há os campos de batalha. há muito produzimos grandes campos de batalha: extensões imensas de
territórios abandonados à própria sorte.
que medo é este agora de que o sistema colapse se a vida de tanta gente há tanto
tempo está colapsada, pessoas isoladas em ilhas de impossibilidades.
ilhas.
é isso. é como se estivéssemos em ilhas desertas. ainda que o imaginário da ilha deserta
nos desperta listas: quem você levaria, os livros, os filmes, os objetos, as
comidas, robinson crusoé e sexta-feira, a ilha do tesouro, a ilha perdida, o que temos concretamente é quem lute contra ratos, outros contra fantasmas. alguns sozinhos, quase todos
acompanhados. uns buscando manejar o tédio, a maioria buscando dar conta de não
enlouquecer no espaço reduzido demais para tanta gente e pouca comida.
amontoados ou sozinhos, neste momento, repare, tudo o que sabemos do mundo nos chega pelas telas: de
computador, de televisão, de celular. de presencial, no máximo a tela da janela que mostra a explosão
silenciosa da primavera neste hemisfério, ou dias mais secos e
azuis no sul, ou ainda os dias sempre quentes e úmidos, sempre do mesmo tamanho
para quem está na linha do equador.
procuro nas telas imagens de outras janelas.
uma amiga, por exemplo,
resolveu fotografar o fim da tarde de cada dia da varanda da sua casa. gosto de
saber que verei a variação de dias que parecem sempre iguais.espero que ela prossiga.
há quem fotografe tudo o que ve a partir da própria janela: os vizinhos, os espaços vazios.
e há também imagens das janelas do mundo.
como uma foto que vi logo no começo da epidemia: um grupo
grande de pessoas com máscaras sanitárias montadas em cavalos correm no meio da
neve. li na legenda que eram representantes do governo chinês indo para regiões
remotas para avisar do covid19. desde que vi a foto me pergunto se levar a
notícia não seria o mesmo que levar o vírus, uma vez que não sabemos se este
vírus atravessa planícies nevadas a cavalo.se sei o que está acontecendo já estou também de alguma maneira implicada no que sei?
me lembrei da história de uma família que ficou várias décadas isolada num lugar remoto da
sibéria, sem saber que a guerra já tinha acabado e o mundo, não.
sei que
pessoas morrerão sozinhas em suas casas. sei que há pessoas de quem ninguém
sente falta. sei também que a vida passa. a vida passa, atravessa a gente, e segue
sendo vida, sempre um mistério.
no mais das vezes, já não sei nada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário