4 de novembro de 2020

caudas e comas

gosto de revisitar livros.

estes dias reli o De Profundis, do oscar wilde. leitura estranha e apropriada para estes tempos em que todos, de certa forma, estamos presos. cada vez é outro aspecto que me chama a atenção. a primeira vez que li, me lembro de ficar surpresa com a descrição que wilde faz do cristianismo, do cerne, da origem. anos depois, o tema da dor e do quanto por trás da dor só há dor. esta faceta transparente e entregue da dor. desta vez, li também a insistência do amor. o amor, apesar de tudo. e não foi pouco este “tudo” na vida do wilde.

desta vez, pela primeira vez, li em formato eletrônico. antes, sempre lia e relia numa edição pequena, de páginas pequenas, de margens estreitas e letra miúda.como as folhas que ele preenchia na prisão.

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ao mesmo tempo, comecei a ler a correspondência entre paul celan e ingeborg bachmann. sei como termina, desde sempre sei como termina, e por isso mesmo vou adiando o momento de chegar no final. cada dia leio menos páginas, menos linhas, até ler só uma palavra por vez. até não haver mais cartas, nenhuma palavra.

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centauros são planetas menores que talvez tenham se originado no cinturão de kuiper, no sistema solar exterior. algumas vezes têm características próprias de cometas, como caudas e comas, que são nuvens de partículas e pó e gás, mesmo quando estão em órbita entre júpiter e netuno onde é muito frio para que a água sublime diretamente do estado sólido ao gasoso. só foram descobertos dezoito centauros ativos desde 1927 e sabe-se muito pouco sobre eles. no começo deste ano, colin chandler e sua equipe detectaram atividade no centauro 2014OG392: “constatamos uma coma de quatrocentos mil quilômetros de distância do centauro e nossas análises dos processos de sublimação e do tempo de vida dinâmico sugerem que o amoníaco e o dióxido de carbono são o que mais provavelmente causam a atividade neste e em outros centauros ativos”. por conta desta descoberta, 2014OG392 deixou de ser um centauro e passa a ser conhecido como cometa C/2014 OG392 (PANSTARRS). (a partir do texto de amelia ortiz)

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ao morrer e virar estrela, talvez a gente antes seja um centauro.

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se pudesse escolher um nome, que nome você gostaria de ter? não vale responder: gosto do meu nome. também gosto do meu. é só uma maneira de se imaginar outra, outro. mudar um pouco de lugar, mudar um pouco a perspectiva.

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da janela vejo as árvores perdendo as folhas. algumas estão já completamente sem folhas. aqui, a variedade maior de espécies do que na janela onde vivíamos antes, também faz a mudança do tempo parece diferente, mais delicada. não é como olhar os plataneiros e ver que todos perdem ou ganham folhas de uma vez.

os dias ficam cada vez mais curtos. às vezes cinzas. algumas vezes chove. algumas plantas gostam deste tempo. o morango, o rabanete, as alfaces, as ervilhas. já o manjericão se ressente e o que era viçoso vai amarelando, triste.

a buganvília que tinha perdido as folhas ao ser transplantada, lançou mil brotinhos, apesar de ser outono. apesar das plantas se prepararem para hibernar.

também os fisalis amadurecem.

e alguma coisa desconhecida cresce bojuda e verde, lentamente, num raminho rasteiro e de florzinhas amarelas.

na horta perto de casa descobri que tem tupinambo. o tubérculo que me ocupa por estes dias. o outro nome dele é alcachofra de jerusalém. e as flores são de um intenso amarelo. quase uma explosão como o pequi, mas muito,  muito menos denso, quase leve. mel.

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