2 de fevereiro de 2011

das elegias





"quem - de toda a legião dos anjos - se eu gritasse me ouviria? e mesmo que um deles me tomasse inesperadamente em seu coração, aniquilar-me-ia sua existência demasiado forte. pois, que é o belo senão o grau do terrível que ainda somos capazes de suportar porque impassível desdenha destruir-nos? todo anjo é terrível."

(elegias de duíno, rainer maria rilke, tradução dora ferreira da silva)

elegia 1 de rilke, em um poema contado, de carlito azevedo:

"e aí ele perguntou quem é que o ouviria - mesmo se ele gritasse - lá no meio dos anjos? e depois fez uma cara assim de quem parecia até achar melhor que eles não o ouvissem, porque imagina, ele me disse, se um dos anjos o abraçasse e apertasse tipo assim contra o coração dele? ah, ele acha que cairia mortinho da silva na hora porque a existência do outro seria de uma força brutal em relação a ele. ele acha que os anjos podem até ser belos mas que o belo é só, olha só o que ele disse, ele disse que o belo é só o começozinho do terrível, um terrível tão terrível que nós mal poderíamos suportar, ele acha, ele disse. e ainda disse que o que nós admiramos de verdade são essas coisas que, mesmo sendo tão superiores a nós, nem se dão ao trabalho de nos destruir. aí eu achei que ele estava ficando meio doido, mas o certo é que ele estava falando aquelas coisas todas em uma espécie de transe e aí então, do nada, ele mandou uma que foi forte, cara, aquela foi forte... ele disse assim que todo anjo é terrível, e que por isso ele preferia mil vezes reprimir e engulir esse tal grito ou soluço que ele ia dar e que deveria ser ouvido lá no meio dos anjos. aí ele se virou pra mim e me perguntou com quem é que nós podíamos contar então, assim mesmo, ele me disse 'com quem é que a gente pode contar então?'. eu fiquei quieto, não é?, ia dizer o quê? ele falou que com os anjos não podemos contar, com os homens muito menos, e que os bichos eram muito perspicazes e matreiros e já tinham sacado que nós é que somos os estranhos na terra, eles querem mais, e com toda a razão, que a gente se dane. aí ele falou um negócio que eu confesso que me abalou, ele falou um negócio que, sem sacanagem nenhuma, eu achei bonito e verdadeiro pra caramba, ele disse que uma árvore numa encosta qualquer que a gente veja todo dia, ou um caminho que a gente sempre faça, tipo todo dia, entende?, ou seja, ele me falou que é a fidelidade de um costume qualquer, um costume que gostou da gente, e por isso ficou e não se foi, que é isso que os costumes fazem, não é?, chegam e ficam e não se vão, pois bem, ele falou que talvez o que nos ampare seja, veja só, um costume, você precisa conhecer esse cara, o nome dele é rainer."


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