16 de fevereiro de 2011
um presente pras luas cheias
márcia, mãe da lígia, contou esta história. era praia e era lua cheia em volta do fogo. é muito bonita e se passa na escócia.
as pessoas se reuniam e contavam histórias umas para as outras. estas rodas de histórias eram chamadas keilas: cada um contava uma história ou uma mentira. quem não contasse, pagava uma prenda. pagar uma prenda era cumprir alguma tarefa.
djin era um lenhador escocês. de um tempo em que tudo se fazia com madeira. casa, prato, fogo, móveis, carroças, instrumentos de trabalho.
djin não gostava de contar histórias.
um dia, foi fazer um trabalho num lugar muito distante. quando estava voltando para casa, já era escuro. ele tinha que atravessar uma floresta. ele conhecia a floresta, mas ela parecia estranha naquela noite. de todo modo, ele seguiu. até encontrar uma casa, onde abriram a porta quando ele bateu. receberam-no muito bem, como se já esperassem por ele, e anunciaram: estamos em meio a uma roda de histórias.
djin não sabia muito o que fazer. mas ficou ali. pensando, matutando, até que decidiu que seria o próximo a contar a história. quando a pessoa terminasse de contar, ele se candidataria e com certeza surgiria uma ideia para contar.
então, a pessoa terminou, ele se candidatou, mas ideia nenhuma apareceu. ele disse não tenho história pra contar.
a prenda era ir até o quintal daquela casa e tirar a água do fundo de um barco com uma colher. ele foi, começou a tirar a água e pensou que assim demoraria muito. passou a tirar com as mãos. e o serviço avançou bem, até sobrar uma pocinha no fundo do barco. ele foi com a colher para terminar de tirar a água, escorregou, bateu a cabeça e desmaiou. quando abriu os olhos, viu a enorme lua cheia no céu e constatou que estava navegando no meio das águas. levou as mãos ao rosto e percebeu que não tinha mais barba. também não tinha mais pelos. seu cabelo era comprido e seu corpo de mulher. djin era uma mulher.
enquanto djin desentendia, o barco chegou na praia. djin encontrou um moço que a ajudou. ele perguntou de onde ela vinha. ela não sabia. para onde ia. ela não sabia. sabia seu nome. djin.
o moço a levou para casa e disse que ela poderia viver ali com ele e sua mãe até voltar a saber de onde vinha e para onde ia. ela ficou. e aprendeu tudo o que uma mulher tem que aprender. a mãe do moço gostava dela, ela gostava do moço e da mãe do moço.
quando a mãe morreu, o moço disse: djin, eu queria te fazer uma pergunta. djin respondeu que sim, que também queria.
casaram e viveram muito felizes juntos. tiveram dois filhos e uma filha. quando o mais velho dos filhos estava com uns doze anos, foram os cinco passear na praia numa noite de lua cheia.
djin passou perto do barco que ficou ali largado na areia e alguma lembrança lampejou. ela disse para o marido e os filhos que fossem andando, enquanto ela entraria um pouco ali para pensar.
quando entrou no barco, escorregou e bateu a cabeça e desmaiou.
quando acordou, uma lua cheia enorme no céu e djin estava no fundo do barco no quintal da casa no meio da floresta. era um homem.
saiu atordoado, foi até a casa, onde ainda a roda de histórias continuava e disse: vocês não sabem o que me aconteceu. e contou tudo o que tinha se passado.
todos riram, adoraram a história e disseram para ele que o prêmio de melhor história daquela noite seria seu. ele reagiu dizendo, mas é tudo verdade, aconteceu, não é uma história. então, ganhou também o prêmio de melhor mentira contada naquela keila.
djin voltou para sua casa e seguiu sendo lenhador.
às vezes, no meio da tarde, quando senta para descansar numa sombra, pode-se ver uma lágrima a escorrer pelo rosto de djin: saudade, muita saudade, de seu marido e de seus filhos.
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2 comentários:
lindo, lindo, lindo! que delícia ter em texto!
às vezes vivo uma estória inteira no sonho e também acordo com saudade. adorei!
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