13 de outubro de 2020

na morte

era uma vez, numa vida distante, muito distante daqui: reencontrei um amigo e ele me disse que naquele dia mesmo faria uma festa em casa, de aniversário. nem era tão próxima deste amigo, a ponto de ir na casa para uma festinha, mas logo lembrei de um amigo em comum que fazia tempo que eu não via e concluí que o amigo em comum estaria lá e que seria muito bom rever. deveria ter perguntado. não perguntei. fui. cheguei meio desambientada. esperei chegar o amigo em comum. mas o amigo em comum não chegava. a umas tantas, eu perguntei: e fulano, não vem? alguém disse: se ele aparecer, eu saio correndo. de cara, não entendi. mas como não sou assim tão besta, e porque me explicaram, soube que fulano tinha morrido. e já tinha passado um tempo suficiente para que seus amigos lidassem com a tristeza da morte. pra mim, ele morreu ali, naquela festa. a festa perdeu toda a graça, eu só queria ir prum cantinho chorar. quando é aniversário de um, é para mim também o aniversário da morte do outro. nunca comentei isso com o um. o outro nem tem como saber. acho.

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na medida que a gente envelhece, mais pessoas que já participaram da nossa vida morrem. obviamente. às vezes a notícia da morte de alguém chega muito tempo depois da morte. muitas vezes isso já nem afeta porque a pessoa  não estava próxima, nem os amigos em comum. do contrário, a notícia teria chegado antes.

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mas algumas pessoas, mesmo sem fazer parte do nosso cotidiano ou da nossa rede de relações mais imediatas, continuam sendo de alguma maneira importantes na nossa vida. e  cada vez mais as notícias ficam meio que para sempre na internet. então, várias pessoas que já conheci e que já morreram pro mundo, só morrerão para mim no dia em que eu, com vontade de retomar contato ou por alguma casualidade procurar por elas e encontrar a notícia da morte. fico eu, ali, diante da tela do computador e a notícia da morte.

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já me aconteceu. 

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é uma morte que fica fora do tempo. um descompasso. um salto, uma ruptura. geram um luto estranho, quase secreto, silencioso. há muito a morte já ganhou um contorno naquele nome, só eu é que não sabia.

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penso que diante dos mais de 150 mil brasileiros mortos, seremos muitos os que viveremos isso. tenho raiva. não da morte que mata, não do vírus, mas de que quem teria que fazer alguma coisa para parar isso e não faz nada. e tenho raiva também de quem suspira e diz: ah, mas já se morre de tanta coisa...

não quero morrer de raiva.

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