20 de outubro de 2020

o sangue derramado

 

ontem de manhã, ao olhar pela janela, vi uma gaivota devorando um pombo. não é a primeira vez. com a máquina fotográfica perto, resolvi fotografar o processo porque eu estava num ponto muito privilegiado de observação, ou a gaivota se colocou num ponto bom para ser observada, e, além das fotos, fiz uns videozinhos.

passou o dia, o mais novo fez quinze anos, com direito a lasanha e bolo, e antes de dormir, resolvi rever as imagens da manhã. olhei as fotos, vi o video. um misto de nojo e aflição e obsessão por seguir vendo. vi uma vez, duas, mais vezes, até embrulhar o estômago, o detalhe das penas sendo arrancadas, o bico da gaivota abrindo a pele do ventre do pombo, arrancando as vísceras, em movimentos lentos, ritmados e bruscos ao mesmo tempo.por que o espetáculo da morte nos fascina tanto?

fui dormir mareada, cansada, como se tivesse eu mesma participado do desmonte do pombo, ou sendo eu o pombo. ou eu a gaivota. dormi mal.

de manhã, vi que os restos do pombo ficaram ali no chão. nem os cães que visitam a praça a cada manhã se aproximaram.

não fotografei os destroços. contemplei em silêncio as árvores que vão perdendo folhas neste outono.

depois, vi que as ervilhas estão com as folhas amareladas. talvez seja excesso de nitrogenio, de quando pulverizei as alfaces ao lado com uma infusão de café. talvez excesso de água. tudo sobrevive em delicados equilíbrios.

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estudos apontam que pode haver mais planetas vagabundos – que flutuam no espaço sem orbitar nenhum sol – do que estrelas na via láctea. não são habitáveis porque são frios, justamente por falta de uma estrela.

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não estamos confinados, mas nada está normal. saímos pouco. ficamos em casa, e nos sobressaltamos com espirros, febre, uma tossezinha qualquer. mantemos as distâncias.  para os vírus somos sempre habitáveis.

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“um professor na frança foi decapitado depois de mostrar em sala de aula uma charge de Maomé. a aula era sobre liberdade de expressão”

 

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estou reunindo poemas contemporâneos que falem de plantas, de vegetais. sua vida, seu crescimento, o cuidado que nos pedem. se souber de algum, me manda, por favor.

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