gosto da páscoa. da ideia da páscoa, quero dizer. não da concretude de enxurrada de ovos de páscoa no supermercado, esta aflição que tentam nos empurrar a todo custo.
antes, não gostava. muitas vezes, quando criança, se meu aniversário caía na sexta-feira da paixão, era uma tristeza só. nem por ser aniversário o almoço era mais que arroz ovo e tomate. e nada de música. nem de falar alto. festa, nem pensar. a alegria que se mantinha, e que nada podia impedir, era a das rosas que eu ganhava. um ramalhete enorme, na memória o ramalhete é sempre maior do que eu.
depois, ao crescer e mudar de cidade, vivendo na periferia, aprendi a beleza da páscoa, da ideia da ressurreição. se as igrejas enchem na sexta-feira santa para ver o jesus morto, a gente escapava para celebrar a festa da madrugada do domingo, um amanhecer de panos se desdobrando, a vida sendo sempre maior que a morte. porque páscoa é isso: lembrar que a vida é maior, muito maior que a morte. que a vida ultrapassa a própria morte. o que parece morto respira.
morando no hemisfério norte, a páscoa faz todo o sentido do mundo. o domingo de páscoa é o primeiro domingo depois da primeira sexta-feira de lua cheia depois do equinócio da primavera. é quando os dias voltam a crescer, as folhas explodem numa delicada renda verde entre os galhos que pareciam mortos, e a noite é de lua. a luz da lua, o fim do inverno, a possibilidade pulsante de seguirmos existindo.
no hemisfério sul, o cristianismo chegou sem se adaptar. e fica uma festa estranha: celebrar a vida quando tudo começa a ficar meio parado, meio morto. páscoa no sul deveria ser em setembro. assim como o natal, se fosse para sintonizar com a lógica original, deveria ser em junho.
mas nem tudo tem lógica. o cristianismo, por exemplo, não tem lógica alguma. disseminar-se pelo mundo por imposição de um imperador romano. não há cristianismo algum na imposição, na obrigação de acreditar. acreditar é muitas vezes a única coisa que nos faz seguir, é a crença na existência de caminhos que faz ter ar e horizonte. não há como alguma coisa imposta ajudar a respirar.
recuso o cristianismo. mantenho a alegria da ressurreição, celebro a festa do fogo, do túmulo vazio. exercito o amor, eu o construo. longe, longe da tortura, do descaso, da resignação diante da injustiça. se é pra ser páscoa, que seja uma passagem destes tempos de fronteira e guerra para outros, em que cada um possa viver bem no cantinho da terra que escolher para si. e que tudo se renove a cada primavera.
ainda tenho fé.
e como nos lembra o grande gil: a fé não costuma faiá...
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