fui anotar carbassa numa lista de compras (que é abóbora em catalão) e fiquei em dúvida se era assim mesmo que escrevia. estas dúvidas que às vezes saltam do nada e a gente fica perdido e para isso existem os dicionários, vamos a eles. e lá estava carbassa. enquanto eu repetia em voz alta carbassa carbassa carbassa, pensei em cabaça e eu que sempre achei que cabaça fosse uma palavra indígena, fui pesquisar e descobri que o bisavô destas palavras: cabaça, carbassa... é o árabe: kara bassasa (abóbora lustrosa) e que antes mesmo de colombo invadir a américa a cabaça já tinha chegado ali, vinda da áfrica, não se sabe se atravessando o oceano atlântico ou trazida pelos humanos que não nos cansamos de andar e mudar de lugar. é uma das primeiras plantas a serem cultivadas no mundo.
***
isso das antiguidades.
***
estes dias me perguntaram sobre coisas que vivi há mais de trinta anos. e o que mais me surpreendeu era a pessoa não conseguir imaginar como nos comunicávamos antes de haver whatsapp porque afinal de contas “email é muito demorado”!
passei um tempo lembrando como era. e gostei. gosto das cartas, dos telefonemas, gostava de saber quem é que me avisaria se houvesse alguma manifestação e saber quem eu teria que avisar. e não era só avisar, era explicar, combinar de ir junto, ir junto. os grupos pequenos se encontrando com outros grupos pequenos, formando afluentes de um rio imenso de gente que sabia por que estava lá. talvez por isso eu não me sinta tão à vontade para gritar nas redes sociais, este grito voltado para quem?
***
isso dos humanos.
e os cães.
***
ontem, no parque, o cão voou por cima de uma cerca para abocanhar um pássaro. corri atrás e quando quase o alcancei, ele correu para longe, da boca o sangue, as penas espetadas como bigodes. eu ia, ele corria. muitas vezes. até que só as patinhas do pássaro para fora da boca, então, nessa hora ele se deixou alcançar. além de já satisfeito, acho que estava um pouco cansado de correr e fugir enquanto devorava. lavei o focinho dele no bebedouro, pra tirar aquele sangue todo. nos caninos do cão o vermelho do pássaro, restos de vísceras. eu dizia pra ele: mas se temos comida em casa! claro que ele nem me respondeu : estava ofendido pela minha brabeza. se fosse responder, talvez dissesse: é meu instinto de cão.
o passeio acabou ali mesmo, nada de brincar com outros cães. primeiro ele pareceu não entender. depois, veio cabisbaixo. eu e ele em silêncio pela rua. nada de cheirar o rabo de nenhum outro cão, nada de cheirar os cantos ou de marcar postes e árvores. nada de cantar, contar casos, explicar o nome das coisas. nada. até chegar em casa. até vir a noite.
sonhei com o pássaro estraçalhado.
ele deve ter sonhado também.
mas sob outra perspectiva.
é difícil entender o movimento instintivo.
acho que só me convenci de que também agia por instinto quando pari.
mas acho que não cheguei a abocanhar pássaros.
***
às vezes me falta um manual de comportamento em tempos de pandemia. o que fazer ou deixar de fazer, como e quando.
***
marta argerich saindo em silencio do cenario na sinagoga gorlitz em tempos de pandemia em 2020 depois de tocar como nem sei dizer.
***
"Não se esqueça:/caminhamos pelo inferno/contemplando flores" (Bashô)
Nenhum comentário:
Postar um comentário