21 de abril de 2021

um dia a areia branca seus pés irão tocar

dia chuvoso. abril e frio. nos balcões da cidade há muitas flores. na sexta-feira é a festa de sant jordi aqui: flores e livros. mais um sant jordi na pandemia. mais uma vez a gente quer alguém que vá lá matar o dragão e ninguém olha o rei que por tantos anos entregou alguém do povo para amainar a ira do dragão. as histórias de heróis são cheias de detalhes nebulosos. e a gente nem sempre sabe onde está o vilão. ou: o que é o vilão dentro de nós, e o que é o herói. 

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volto a ler notícias de estudos científicos.elas me dão uma dimensão mais exata do que sou e do que deixo de ser:

li, por exemplo, que alguns pesquisadores sistematizaram o percurso da água desde as nuvens interestelares até os mundos habitáveis. na descrição deste percurso, dizem que a água já estava lá, no início do sistema solar. a água está em forma de gelo assentado sobre minipartículas de pó nas nuvens interestelares. quando a nuvem colapsa, formando novas estrelas e planetas, esta água se fixa em pedras pequenas, estas pedras girando em torno da jovem estrela serão os elementos básicos para formar novos planetas, agrupando-se em corpos cada vez maiores. e a água dos rios e oceanos, ou dos nossos olhos, veja, toda esta água já estava lá.

depois, leio em outra página que uns passos registrados há dez mil anos mostram que as crianças neandertais também brincavam na areia. imagine-as correndo, saltando, construindo castelos que elas nem sabiam que um dia iriam existir. ou foi o sonho das crianças neandertais ao brincar na areia que nos fez milhares de anos depois construir castelos e catedrais e monumentos para em seguida destruí-los?

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tanta gente já fazendo análise destes tempos e eu aqui, imobilizada, sem entender. se é tão pouco a pouco que desvendamos o caminho das águas e a infância dos neandertais, pra que pressa pra entender esse momento de agora? às vezes a gente se sai melhor na resolução de um problema se deixa o pensamento seguir livre, sem tensão, sem pressão. como se a energia que vai de neurônio em neurônio fosse capaz por si de encontrar saídas. dizemos “os neurônios” como se eles não fosse nós, o que somos. somos o corpo. nós, relaxados, encontramos melhor as respostas. por que tensionar este momento já por si tão tenso, repleto de medo e morte, de limitação de espaços e direitos, por que não vivê-lo exatamente como ele é e deixar que o corpo humano encontre a resposta de como sair desta merda em que estamos metidos?

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entramos em touro, as quatro patas do mundo assentadas no presente.

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amanheci pensando por onde andaria o paul salopek, aquele que está percorrendo o mundo a pé, para refazer o caminho da grande migração humana desde a áfrica até a terra do fogo. uma postagem dele mesmo me distraiu e fui parar no fundo do mar, entre baleias. estes seres que me fascinam. a música dos seus sons é uma canção de ninar.

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fora da falsa eternidade o corpo volta a ser de instante em instante uma cicatriz no tempo entre o passado inexistente e o futuro ainda não visto. que possa ser sutura na matéria esgarçada esta costura na página viva, esta memória.

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