10 de abril de 2021

um primeiro passo

dia destes fez dezoito anos que defendi minha dissertação de mestrado. o que eu me lembro melhor deste dia é que na véspera tínhamos ouvido o coração do chico pela primeira vez. aquele galopar infinitamente apressado de um cavalo. e nem nome ele tinha ainda. foi arroz, foi feijão, foi caju, tatu, macaco. na medida em que crescia. e só quando nasceu é que a gente soube que era o chico. mas naquele dia da defesa ninguém sabia ainda que em mim batiam dois corações. mesmo assim, só aquilo importava e todo o resto era irrelevante. minha orientadora chegou vinte minutos tarde e enquanto isso um dos professores da banca ficou ensinando palavras em polonês ou russo para os que estavam ali comigo esperando, enquanto eu esperava outras esperas.

depois de todos estes anos ainda me surpreendo quando alguém me procura por conta do tema do meu mestrado, disseminação de inovações em gestão pública. na época, trabalhava num projeto que divulgava experiências inovadoras e eu estava convencida de que quanto mais divulgássemos as experiências que íamos sistematizando, mais prefeituras poderiam implementá-las. e estudava justamente isso, com um referencial teórico que mostrava o quanto de divulgação era importante, bem como fontes de financiamento, para que as experiências fossem disseminadas. o foco para mim e para o projeto que eu coordenava eram as experiências em si. na banca de qualificação, um professor me desbancou totalmente e me sugeriu ler latour 2000, com o seu ciência em ação,  como referência para olhar as experiências de gestão pública.

a construção do conhecimento é um processo lento. e eu achava que entendia como as coisas funcionavam. por isso foi ainda mais difícil ler latour e rever o meu ponto de vista. avançava devagar e a vida em volta disparava.

foi quando fizemos uma coletânea de 125 destas experiências, e o livro foi impresso em tiragem de best-seller, enviado para todos os municípios, com divulgação na imprensa, repercussão no congresso nacional e o escambau. pouco depois, fui parar numa pequena cidade do interior, para avaliar um projeto. enquanto entrevistava o prefeito, fiquei muito feliz de ver um exemplar na estante bem atrás da mesa. acho que por uma vaidade besta falei do livro, que parecia muito manuseado, perguntando quais experiências eles tinham implementado no município. foi um banho de água fria quando ele disse: nenhuma. devo ter feito uma cara lamentável porque logo ele se explicou dizendo que não era um livro para tirar uma experiência em concreto e replicar, mas era um livro que inspirava. por exemplo, se havia um problema específico na área de saúde, alguma experiência de algum outro município na área de assistência social, por exemplo, poderia dar boas ideias para se chegar numa solução local.

e apesar da minha decepção, foi quando entendi que o caminho tinha que ser outro. e passei a focar muito mais nos diversos sujeitos envolvidos num processo para compreender como se dava a disseminação de experiências.ou seja, lá estava o latour do professor que tinha me desbancado.

ainda hoje tem muita gente que acha que divulgar alguma coisa é falar sobre ela, convencendo as pessoas como se estivéssemos dentro de um anúncio publicitário dos anos 50 do século passado. e não só em ciência ou gestão pública, também em relação a livros. muita gente ainda acredita que a venda em grandes tiragens de um livro tem a ver com o quanto se anuncia um livro e a qualidade da obra. e nem sempre. há grandes livros que venderam muito pouco e há livros que venderam milhões de exemplares mesmo sem serem grandes livros e sem serem muito divulgados. depende muito mais de quem está envolvido no processo e quais os interesses que há no entorno. mas não estudei nada disso para saber dizer.

sei que no dia da defesa, quando com meus dois corações batendo, consegui explicar tudo o que eu tinha pesquisado e pensado e concluído, foi mais para mim mesma que expliquei o alcance do projeto no qual tinha estado envolvida naqueles últimos dez anos e no qual seguiria envolvida por mais algum tempo. até deixar a gestão pública num segundo plano e me enveredar pela poesia. que é um campo totalmente novo para mim. 

***

não voltei a pensar muito naquele dia, naquela defesa, naquele tema. me ocupei do novo que vinha: não é fácil mudar de ramo aos quarenta.

esta semana, me lembrei daquele coraçãozinho disparado no escuro de mim, e pensei que os dezoito anos passaram como um tufão: rápido e intenso e de alguma forma lento no momento de sua duração. tanta coisa foi há um vida. aliás, há muitas vidas.

e estou de novo num começo. nunca sei ao certo o que é. mas de novo buscando aprender. de novo querendo descobrir os mecanismos que movem os processos, os gestos. 

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me convenço de que só sei começos. tudo o mais que há no mundo, todo o resto, para sempre desconheço. 

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é bom também. o mundo precisa de quem dê o primeiro passo, ou um primeiro abraço.

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era bom que a gente desse um chega também nesse projeto de morte que segue, se alastra. mas não sei por onde (começo).

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