23 de maio de 2020
nem nada
as mudas de tomate e pimentão já estão num tamanho bom para serem transplantadas. teremos uma floresta de vegetais.
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dia desses uma amiga comentou que resolveu aproveitar os restos que tinha na geladeira e se lembrou de mim e do quanto as coisas que invento com estes restos ficavam bons. perguntei se o dela também ficou bom. ela disse que depende para quê.
não entendi.
então ela explicou que tinha restos de arroz integral, arroz branco, batata, macarrão e cuscuz marroquino e resolveu misturar tudo e passar na manteiga. simples assim. experimentou e não achou muita graça. mudou de tática e pensou que, com o frio que está fazendo por lá esses dias, poderia fazer um creme, uma sopa. botou tudo no liquidificador e bateu até ficar bem líquido.
considerando os ingredientes, me surpreendi que tenha ficado líquido. mas ficou muito líquido, perguntei.
ela disse que sim, o motor do liquidificador tinha tinha ficado líquido. mas o conteúdo? bem, não ficou bom para comer, mas dá pra aproveitar para tapar buracos na parede, para fazer uns guarda trecos e ainda um porrete pra levar na bolsa pra se defender em caso de necessidade.
tudo isso é mentira, mas achei que seria uma história engraçadinha para tempos de cozinha circunstancial.
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uma vez, quando não tinha muita ideia de fazer pães, resolvi me guiar por um livro de receitas de comida alternativa voltado para merendeiras. na primeira receita estava: bata um tanto xis de abóbora no liquidificador com tanto de água. bati, fiz o pão. ficou duro, duro. quando comentei com quem tinha organizado o livro, ela me perguntou se a abóbora era do tipo cremosa ou fibrosa. eu disse que não sabia, era do tipo dura. e ela: voce não cozinhou a abóbora? não, eu nao tinha cozinhado a abóbora. a receita nem sequer dava a entender que se devesse cozinhar a abóbora.
outra vez comentei isso com a neide, que achava graça quando as pessoas colocavam nas receitas para se usar “ovos inteiros”, porque não era verdade. a casca a gente não usa nesses casos. e ela acabou por encontrar uma receita em que o ovo fosse na receita inteiro, mesmo, com casca. e levou um pão desse no piquenique.
anos depois, vi que a receita original da mona de páscoa, tradicional na catalunha, leva ovos inteiros, com casca. a quantidade de ovos acompanha a idade da criança que vai receber a mona. de 1 a 12 ovos.
estas duas histórias são verdade.
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num lugar muito longe daqui, a lua cresce e tem os olhos pretos.
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na residência onde minha tia morava, será preciso desocupar o quarto onde ela morava. por conta da covid, pessoas de fora não podem entrar no espaço onde os moradores transitam. disseram para minha prima que colocarão todas as coisas que foram da minha tia num espaço fora da área interna da residência e ela pode pegar aquilo que tiver interesse. o resto, eles encaminham.
pensei nesta tristeza. quando meu pai morreu, minha mãe preferiu deixar as coisas dele todas como estavam por vários meses. era uma forma de manejar o luto. depois, pouco a pouco, foi se aproximando e se apropriando destas coisas todas, dando para cada uma um destino, amorosamente. as sandálias que ele usava todo dia, que tinham o formato dos seus pés, só foram enterradas quando a cachorra que também sentiu muita falta dele morreu, abraçando justamente estas sandálias. minha mãe enterrou no jardim a cachorra, as sandálias e, finalmente, o homem que ela amava. e continua amando.
como serão nossos lutos sem as despedidas dos velórios? sem o momento de revisitar as coisas como foram deixadas pela última vez? uma coisa é entrar num quarto, ver o que estava ali à mão, para entender os dias, as noites, os desejos. outra coisa é entrar num depósito e ver móveis e papéis empilhados, roupas amontoadas, álbuns de fotos, livros, cadernos e cadernetas anotadas. escolher ali alguma coisa que tenha sentido. encontrar sentido no caos e não na paisagem imobilizada, congelada no último momento de alguém.
sei que tudo se desvanece, tudo passa, tudo tudo se dissolve no grande fluxo da vida e do espaço. mesmo assim, a imagem me entristeceu.
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a morte, qualquer morte, faz a gente pensar na própria morte. espero ter tempo de dizer “i’m ready, my lord”. ainda que não considere deus como senhor, muito menos senhor dos exércitos. penso colo, abraço, aconchego. o momento em que tudo encontra lugar e sentido.
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