28 de maio de 2020

ruínas



às vezes me ocorre que as pedras também estão vivas. mas por serem lentas, tão lentas, muito lentas, a nossa temporalidade nos impede de ver o movimento da vida delas, das pedras.



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sei que o mundo é complexo. mas talvez por conta da minha ingenuidade, não gosto de nada complicado. qualquer texto, explicação complicadas já me deixam um pouco desconfiada. quem não consegue explicar com simplicidade é porque não sabe bem o que está explicando. penso às vezes nas músicas do tom jobim que parecem tão simples, qualquer um de nós cantarola e incorpora quase como se fossem suas. ou seja, são complexas, mas não são complicadas.



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estes dias a pouca paciência que tenho com tudo não me faz perder a paciência com os textos da noemi (jaffe). não é todo dia que dá tempo de procurar e ler, mas várias vezes na semana tropeço neles e eles me reconfortam. o jeito dela escrever estes pequenos relatos é um jeito simples. direto. como se o mundo todo pudesse ser reduzido ali, ao alcance do dia, da casa. como se nada mais importasse. e fazem referências a várias coisas que temos em comum na história familiar. invejo a disciplina e a persistência que ela mantém mesmo nestes tempos de isolamento, enquanto que eu muitas vezes me vejo cansada e desorientada, sem ver sentido em seguir escrevendo o que quer que seja porque escrever pressupõe uma transcendência, uma visão para o futuro e, por mais que insista que temos que sonhar o futuro para que ele seja, para que ele possa ser, estou com dificuldade de ver. e de sonhar. às vezes parece que o único sonho que cabe é o da espera não mais das sementes na terra mas dos brotinhos crescendo, ganhando identidade porque depois das primeiras duas folhinhas que quase toda semente brota, logo nascem as folhinhas que são do jeito já das folhas que a planta terá, são a cara da planta. olhar para isso, é como olhar para os meninos quando eram pequenos e dormiam e eu tinha a sensação de que veria o crescimento, se fixasse bem os olhos.



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nas notícias astronômicas apareceu a palavra medusa cósmica e me lembrei do joan (navarro) escutando notícias no rádio e quando um pesquisador de atapuerca usou uma determinada expressão, ele, joan, pensou: mas essa palavra é minha! tentei descrever várias vezes esta imagem, escrever sobre esta sensação de que algumas coisas sejam nossas embora apareçam na boca ou nas mãos de outra pessoa. mas não consegui. o que me vem à memória é uma criança chegando numa praia bem cedinho e, por estar deserta e sem nenhuma marca na areia, pensa que a praia é sua pra sempre. nada é nosso. nada é pra sempre. tudo sendo.

atapuerca é um lugar perto de burgos, com escavações arqueológicas.

em geral as escavações que melhor nos contam sobre a história dos humanos são aquelas que encontram os mortos. o cuidado com os nossos mortos é o registro de quem somos? me incomodam um pouco e me fascinam as múmias, os crânios, os ossos de pessoas que viveram há milhares de anos, ou há nem tanto tempo, e é como se fosse uma espécie de invasão do que aquele alguém foi quando fico olhando, quando me aproximo: o corpo exposto numa vitrine. quem olha quem? muitas vezes só é possível olhar o que está exposto misturando na vitrine o objeto por trás do vidro e o meu reflexo. tudo junto: o morto o vidro e eu na luz artificial de um museu. o mundo era daquele morto, quando ele era vivo e eu nem em sonhos existia no planeta. ou como os óvulos que já estão dentro da bebê quando ainda é do tamanho de um ovo na barriga da mãe, será que já havia uma microssemente de sonho de nós no pensamento destes humanos todos que nos anteciparam?



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em grande parte das cavernas em que há pinturas rupestres, já não se pode entrar. a umidade da respiração de muita gente poderia estragar as pinturas. daí inventaram de fazer réplicas das cavernas e das pinturas e estas réplicas podem, sim, ser visitadas. é como se falsificassem as pinturas do van gogh e só elas estivessem expostas. se bem que talvez o que se veja sejam já só as pinturas falsificadas.

talvez eu devesse ter feito uns desenhos na parede da caverna nestas onze semanas em que ficamos sem sair. o que será que eu teria desenhado? o que vejo ou o que me faz falta? o que é que me faz falta? o que é que eu vejo? não desenhei. mas guardei todos os rolinhos internos do papel higiênico. era tanto medo que as pessoas tinham de ficar sem papel, e agora todo mundo faz de conta que isso nem aconteceu. mas eu lembro.



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le monde diplomatique dá nome para o governo dos homens ruins: "Derivado de duas palavras gregas, kakistos (superlativo de "ruim") e kratos ("poder"), kakistocracia significa "governo dos piores". Inventado no século XVII para descrever a ascensão política dos menos qualificados ou menos escrupulosos, experimentou um novo boom com a eleição de MM, Trump ou Jair Bolsonaro."
dar nome pros monstros os reduz ao seu tamanho exato e a gente se sente mais capaz de lidar com eles. o bolsonaro é mau. e se o bem e o mal existem e estão dentro de você, saber viver é saber escolher. e ele escolhe sempre, sempre, sempre a maldade.
tenho muita dificuldade em acreditar que alguém possa ser mau. mas elas existem e neste momento estão no poder. e cada vez elas se revelam mais e mais más. nesse momento não é suficiente dizer que não se quer a maldade. é preciso dizer, manifestar, gritar que não se quer este homem mau e seu grupo no poder.
kakistrocracia não combina com a nona sinfonia ou o canto dos krahô. as sumaúma e as grandes extensões de neve e gelo da antártida, as estepes da sibéria, o céu estrelado das noites do sahara, os olhos luminosos das crianças de todo o mundo, a pele enrugada dos que se tornaram sábios, o mini-beija-flor que voa parado num mesmo lugar, nada disso sobrevive ao poder dos kakistos, estas cacas, estes cocôs.
vamos tirar do poder os homens ruins, antes que a ruína sejamos nós.



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leio que estamos no centro de um labirinto criado pelos nossos próprios passos. e que do somatório da miríade de pequenas e íntimas conversas pensando saídas é que tecemos o novo, o nascituro.



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e aqui uma receita de torta de limão, da letícia (massula) que também é uma delícia de seguir por aí:

“Massa: misture 150g de manteiga com 2xic. de farinha de trigo e 3 colheres de açúcar. Forme uma massa, deixe descansar 30min. na geladeira e então forre o fundo e as bordas de uma assadeira com ela, tentando deixar o mais fina possível. Faça furinhos na massa com um garfo. Asse em forno quente até dourar.

Obs- costuma levantar bolhas na massa enquanto assa, use um garfo pra abaixar essas bolhas. Abra o forno depois de uns 10 minutos pra verificar se as bolhas apareceram.

Curd de limão - é o creme de limão feito sem leite condensado. Misture o suco + raspas de 4 limões + 200g de açúcar + 100g de manteiga - leve ao fogo em banho maria até derreter a manteiga e aquecer toda a mistura. .
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Acrescente 3 ovos + 1 gema batidos e misture com o fouet até incorporar, cozinhar e engrossar, ficando na textura de uma geleia. Deixe esfriar.

Bata o merengue: 3 claras + 1 pitada de sal batidas em ponto de pico duro - junta 1xic. de açúcar refinado e bata até ponto pico duro novamente.

Montagem: coloque o curd sobre a massa, sobre ele o merengue - passe o maçarico culinário sobre o merengue.

Quem não tem maçarico aqueça bem o forno e leve a torta já montada até dourar o merengue.

Finalizei com folhas de limoeiro pra ficar bonitinha!”

 

 

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