o antônimo de astronômico é anão.
esta foi minha pesquisa de ontem depois de pensar tanto nas coisas astronômicas que, mesmo sem que eu as entenda, me ajudam a chegar ao tamanho do que sou.
e em seguida o mundo anão, ou tudo o que parece tão pequeno e individual, tão pouco político e importante, foi se abrindo e cheguei nas notícias que revolvem por dentro. e que são, de fato, as notícias astronômicas, que deveriam nos mover.
o nome da notícia era joão pedro mattos pinto. um menino de catorze anos.
deveria bastar o princípio de respeito à vida, de toda vida. mas não tem bastado. as vidas continuam tendo pesos diferentes. e vidas pobres e negras há tempos – mas não desde sempre, porque o mundo muda todo o tempo, e sempre se move na direção dos nossos sonhos – tem valido quase nada, nada, aos olhos de muita gente. que olhos são esses? que se recusam a ver?
coloque-se então no meu lugar. imagine alguém entrando na minha casa, matando meu filho de 14 anos, enquanto alguém grita que ali só há crianças, e não é ouvido. e meu filho sendo levado sabe-deus-pra-onde. e eu sem notícias.
porque foi isso que aconteceu “a gente foi, deitou no chão, levantou a mão. matheus começou a gritar que só tinha criança. aí, eles tacaram duas granadas assim na porta da sala, quem tava mais perto da porta era o joão. aí, eles deram muitos tiros nas janelas. assim a gente saiu correndo pro quarto. os policiais entraram, mandaram a gente deitar no chão e todo mundo calar a boca.as polícias deram tiros no matheus enquanto ele levava joão no carro pro helicóptero pegar ele.”
e cada dia, há séculos, tem sido assim.
meu silêncio cúmplice.
***
não fazia muito tempo que a gente tinha se conhecido e sonhei que ela me dizia ser filha do paul celan. naquele dia mesmo escrevi dizendo veja, sonhei que você me dizia que era filha do paul celan. pra minha surpresa, me respondeu que sim, que era filha do celan. e que eu também era. me explicou um pouco e tudo pareceu fazer um sentido. mas os sentidos dos sonhos e da vida demoram muito pra ficarem realmente claros. dia desses, depois de assistir uma aula do wisnik sobre clarice lispector, a página de vídeos me levou automaticamente para um vídeo em que ela, a amiga que sonhei ser filha do celan, numa aula de dicas para quem quer escrever, fala, entre outras coisas, sobre originalidade. que a originalidade tem a ver com ir às origens, às nossas origens. é nas nossas origens que vamos nos diferenciando, é a partir destas origens , sempre tão compartilhadas mas também tão particulares, que vamos nos fazendo quem somos. e lá estava celan, uma origem em comum. e ela, minha irmã de origem. somos tão parecidas quanto são parecidos os irmãos. esta madrugada, acordei pensando na mãe dela, e no amor. por muito tempo fiquei ouvindo os mínimos sons da noite, sem conseguir dormir.
há um ano escrevi este texto. cada vez é mais difícil dormir.
***
e um poema do yehuda amichai
"Entre as estrelas talvez você tenha razão mas não aqui",
você me disse e no meio da frase caiu num choro tranquilo,
como no meio de uma carta se passa da tinta azul
para a tinta negra quando a caneta seca,
ou como o antigo costume de trocar os cavalos da carruagem
durante o caminho.
A fala se cansou, o choro era refrescante.
As sementes de verão chegavam
voando ao quarto onde estávamos.
Frente à janela uma amendoeira
começava a enegrecer,
ela também era uma valente
lutadora na eterna guerra
do doce contra o amargo.
Eu disse: olha, assim como o
tempo não está nos relógios
o amor não está nos corpos,
os corpos só mostram o amor,
nós não vamos nos esquecer dessa tarde,
como não se esquece a forma de nadar
de um verão para outro.
"Talvez entre as estrelas
você tenha razão, mas não aqui."
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