9 de maio de 2020

estes jardins

quando vivia num jardim muito grande, não acompanhava tanto se nascia uma folha aqui ou outra ali. reparava mais no todo. e quando alguma planta não ia bem é que eu dava atenção e cuidado. um jardim é um processo lento e quase imperceptível. em geral é nas fotos que a gente se dá conta, vendo como uma era pequena, como outra estava carregada ou das crianças vendendo suco e vem à memória o tanto de maracujá que tivemos naquele ano.

num apartamento, cada planta é quase um universo particular. ponho elas próximas umas das outras porque já notei que planta também gosta de companhia. poucas plantas gostam de estar sozinhas. reparando bem, dá pra ver o quanto elas se buscam. são movimentos muito sutis, passam semanas pra que sejam notados.

pra saber quem recebe água quando, para lembrar quem precisa do quê, dou nome pras plantas.  o nome de quem me deu a planta, ou de quem estava relacionado de alguma maneira ao dia em que a planta veio morar aqui. ou se se trata de uma memória. por exemplo, brotaram uns limões que no brasil são chamados de sicilianos. o pezinho que vingar vai se chamar nancy.  nem todas ganham nome. se é uma planta que vem e logo vai, como os tomateiros, ou o pé de batata, chamo de pé de batata e tomateiro, mesmo. já o gerânio que trouxe de oliva e está florindo muito este ano tem nome. o gerânio que tem perfume de rosas, também. e a bromélia, o pau d’água, o caruru do reino, o alecrim, a sálvia, a hortelã. e a violeta-africana.

vem da minha mãe isso de dar nome pra planta. uma época ela teve muitas violetas-africanas. muitas cores, prateleiras cheias de violetas florindo. e cada uma tinha o nome da pessoa que tinha dado uma mudinha pra ela. talvez fosse moda na cidade onde a gente vivia colecionar as violetas, não sei. depois, no apartamento em são paulo ela tinha violetas por todo lado, já não tão concentradas numa mesma prateleira ou parapeito. e ela ia conversando com a lina a márcia a gilda a mara a anita... não sou muito de coleções, mas era bonito.

onde ela vive agora acho que não é muito bom pras violetas. ou foi ela que perdeu a paciência.

 

***

 

quase toda mãe diz: ah, pelo jeito de andar já sabia que era você. ou: pelo toque do telefone já adivinho quem é. ou: estava dormindo, acordei pra beber água justo agora que você abriu a porta. ou: mas você nunca gostou de jiló!

na medida que o tempo passa, vai-se descobrindo onde moram as mentiras das mães e em que elas estavam, mesmo, dizendo a verdade.

 

***

 

tenho visto tantos gráficos, com curvas logarítmicas, retas, ascendentes, descendentes. mas, neste exato momento é como se fôssemos todos pontos isolados num plano. quando muito uns pontinhos amontoados, sobrepostos, espremidos. mas distantes de outros pontinhos. olhando assim, um retrato de tantas cidades neste momento de pandemia, é difícil concordar que o ser humano seja gregário. parece mais um bicho raro, onça na mata que cuida dos filhotes até se tornarem autônomos.  ou árvores. imensas árvores distantes o suficiente para não virarem um bosque, uma floresta.

além das raízes se conectarem onde ninguém vê, há fungos que tecem uma teia de conexões entre as árvores, como são nossos neurônios. ficar atento à vida das plantas, compreender como elas estão no mundo, como se cuidam e se relacionam ajuda muito a entender o que se vive agora, nosso momento planta, parados, as raízes buscando a água entre o concreto.

 

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e lá se foi a lua cheia de maio. quando nubla na lua cheia, dizem que o nublado permanece vários dias. ontem nublou. e hoje ainda está nublado.

2 comentários:

Remo disse...

antes de presentear sementes, era comum ver a produção do limoncello em casa

v. paulics disse...

das mudinhas, lembro bem e cheguei a ganhar uma. mas do limoncello eu não lembrava, não. quando vi por aqui achei que nunca antes tinha visto. é bom, né? vou buscar uma receita pra ver se sai bom ;)