há vinte
anos ela nasceu. entrei no quarto da maternidade e a mãe dela me disse: quer pegar
no colo? já entregando um pacotinho mínimo. estrela. no começo achei o nome
estranho, mas cada vez mais vejo que é único nome que ela poderia ter. uma
presença luminosa, ali, no horizonte. nestes vinte anos que se passaram, e acho
que vai ser assim para sempre, sempre reparo nas letras de canções que tenham
estrela. faço uma coleção mental. pensei um dia fazer uma gravação com todas
elas mas tudo isso já está tão ultrapassado que é melhor manter a lista na
cabeça. e de tempos em tempos cantarolar, como uma forma de oração pela vida
dela, pelos horizontes que ela vai sempre iluminar.
***
no ano que
fiz vinte, nasceu o meu primeiro sobrinho.
e betty
blue passava no cinema.
***
amanheceu
ensolarado. um dia azul.
as rosas
vermelhas de papel que fiz para o dia de sant jordi, e que pendem da estante da
sala, hoje me lembram os cravos vermelhos da revolução de 1974, em portugal.
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
***
e o vírus que não sabe nada de nada além da bolha mínima de gordura no qual sobrevive em busca de células onde possa morar, segue matando. um vírus que quer viver, como eu e você, mas chega a matar quando encontra casa. e morre junto, sobrevivendo no vírus viajante.
as pessoas que morrem sobrevivem no pensamento da humanidade. cada um, único no tempo e no espaço. quanto mais pobres, mais viram estatísticas e curvas nos gráficos dos epidemiologistas e dos economistas. as pessoas que amavam quem morre não pensam se a curva faz assim ou assado, não querem saber se o petróleo isso ou aquilo, passam a conviver com um vazio, com alguém que já não é. que não está. um silêncio pesado.
no começo da pandemia, acreditava na aleatoriedade do vírus. já está mais do que explícito que não é bem assim. o aleatório é como um ponto de partida. o que se faz com este ponto de partida é que é a vida sendo.
assim como nos campos de concentração havia uma lista que definia quem entrava na câmara de gás e quem iria para outros lugares e por trás da lista havia pessoas pensando e estabelecendo critérios de vida ou morte, também nós estamos. o mundo se revela em toda a sua desigualdade. se alguém antes dissesse: não sei, não deu pra ver direito, agora já não pode dizer nada.
***
enquanto isso seguem as listas nas redes sociais. de tudo o que se possa imaginar.
e segue o caos no desgoverno do brasil. como explicar o que é que está acontecendo? e pra que explicação? o humano, este cansaço.
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