moraes moreira morreu. ainda me lembro da letra da professora do primário registrando na lousa a música da barca que corria, só, somente só e eu ia lhe chamar. era de uma alegria. e tantas e tantas músicas que parecem trilha sonora especialmente de uma parte da vida, que era ainda tanta descoberta e susto. (a vida deixa de ser descoberta e susto?)
nestes tempos de quarentena ele escreveu um cordel. lúcido.
QUARENTENA (Moraes Moreira)
Eu temo o coronavirus
E zelo por minha vida
Mas tenho medo de tiros
Também de bala perdida,
A nossa fé é vacina
O professor que me ensina
Será minha própria lida
Assombra-me a Pandemia
Que agora domina o mundo
Mas tenho uma garantia
Não sou nenhum vagabundo,
Porque todo cidadão
Merece mais atenção
O sentimento é profundo
Eu não queria essa praga
Que não é mais do Egito
Não quero que ela traga
O mal que sempre eu evito,
Os males não são eternos
Pois os recursos modernos
Estão aí, acredito
De quem será esse lucro
Ou mesmo a teoria?
Detesto falar de estupro
Eu gosto é de poesia,
Mas creio na consciência
E digo não violência
Toda noite e todo dia
Eu tenho medo do excesso
Que seja em qualquer sentido
Mas também do retrocesso
Que por aí escondido,
As vezes é o que notamos
Passar o que já passamos
Jamais será esquecido
Até aceito a Polícia
Mas quando muda de letra
E se transforma em milícia
Odeio essa mutreta,
Pra combater o que alarma
Só tenho mesmo uma arma
Que é a minha caneta
Com tanta coisa inda cismo...
Estão na ordem do dia
Eu digo não ao machismo
Também a misoginia,
Tem outros que eu não aceito
É o tal do preconceito
E as sombras da hipocrisia
As coisas já foram postas
Mas prevalecem os reles
Queremos sim ter respostas
Sobre as nossas Marielles,
Em meio a um mundo efêmero
Não é só questão de gênero
Nem de homens ou mulheres
O que vale é o ser humano
E sua dignidade
Vivemos num mundo insano
Queremos mais liberdade,
Pra que tudo isso mude
Certeza, ninguém se ilude
Não Tem tempo, nem idade.
***
cada manhã
acordo e vejo o que os amigos escrevem por aí. parecem gritos solitários.
aqui, acho
que eu também grito.
como não
gritar?
***
estes dias
penso também que o confinamento é o contrario de uma longa viagem. se a viagem
faz com que tempo se transforme em espaço e saber quanto tempo passou é o mesmo que saber quantos quilômetros se andou, estar confinados é ver o
tempo passando sempre no mesmo lugar, o espaço parado quase fazendo parar o tempo.
é de certa forma a experiência da árvore enraizada: não é ela que vai, tudo vem
até ela. estamos vivendo árvores.
***
ontem li: somos os sonhadores sonhados por nossos antepassados. o futuro será a nossa capacidade de sonhá-lo. e esta frase não me sai do pensamento.
o texto também dizia que há uma canção mais antiga que o próprio mundo.
enquanto escrevo isso, ouço maritacas passando em revoada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário