para os dias 10 e 11 de abril foi convocada uma greve de produção de conteúdo cultural de divulgação nas redes sociais. é um jeito de chamar a atenção para a importância desta produção de conteúdo e que sempre é desvalorizada, como se a cultura fosse uma coisa qualquer, que qualquer um faz, que não precisamos destinar recursos especificamente para isso. com o confinamento ficou claro o quanto todos necessitamos de conteúdos culturais. e este mesmo confinamento aponta para um futuro muito difícil para quem trabalha com cultura e entretenimento.
apoiei a
greve. por isso não escrevi estes dias. e também porque em geral não escrevo
nos finais de semana. quer dizer, escrevo. continuo fazendo meu pequeno diário
de sete coisas vistas, ouvidas, feitas. o diários perfeito. não como alguma
coisa que não tem defeito, mas como alguma coisa acabada e pronta. como o
passado perfeito, perfazido, cumprido. um diário de pequenas coisas cumpridas.
(pelo ritmo do tempo, em alguns dias o diário deveria se chamar pequenas coisas
compridas).
***
volto a me
ocupar das memórias da minha avó: quando ela estava já com mais de 80 anos,
resolveu compor uma autobiografia, registrar seu percurso no mundo a partir do
que se lembrava. a vida de cada dia relembrada em alguns momentos com mais
registros e de forma mais genérica em outros. a versão que tenho foi digitada
por minha mãe e minha tia, onze anos mais velha que minha mãe. ambas concluíram
que havia coisas nas memórias da minha avó que não mereciam ou não deveriam ser
transcritas. tenho o original guardado longe daqui. a letra da minha avó não é
tão fácil de decifrar. então, leio a
transcrição que passou por uma seleção.
um dos
temas nas memórias é o final da primeira guerra mundial, quando a hungria tinha
perdido a guerra, e oficiais retornados
das frentes de batalha promoveram um levante contra o governo imperial - a revolução dos crisântemos - buscando a
constituição de uma república democrática independente do império austro-húngaro.
minha avó tinha quase 14 anos, muita energia e quase não podia sair. para
coroar tudo isso (me ocorre agora que é um péssimo jogo de palavras com a covid
e a revolução contra o imperador...), veio a chamada “gripe espanhola” (que de
espanhola não tinha nada). e era esta descrição que eu queria reler.
ela se
lembra que a recomendação médica era que passassem a maior parte do tempo meio
embriagados, para dormir, descansar, não gastar energia. não havia muita comida,
não havia empregados – muitos morreram em decorrência da gripe –mas conseguiram
uma cabra do jardim zoológico (!) e assim tinham leite e, de algum lugar que
ela não tem ideia, apareceu uma lata enorme de sardinhas em conserva. não muito
mais que isso. dois parágrafos em 70 páginas de 96 anos de vida. talvez nós também só tenhamos memória difusa
de tudo isso que vivemos.
***
às vezes me
pergunto quanto tempo nos manteremos neste confinamento sobre o qual temos
pouca ou nenhuma governabilidade? aonde vai nos levar? o que podemos fazer
estando nele, estando confinados, e o que faremos depois, quando pudermos sair?
o que é poder sair? no fundo, no fundo, é como se voltássemos a ser o humano
que mora na caverna. se é que alguma vez saímos da caverna.
entendo
melhor as pinturas rupestres. tento desenhar também, mas não crio cavalos,
mamutes, nem pinguins. o melhor que sei é imprimir minha mão manchada nesta
pedra.
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