há algum
tempo me cadastrei numa página da nasa que avisa quando a estação espacial
passa por cima da cidade onde moro. ontem entrou um aviso dizendo que esta
manhã a ela estaria acima da minha cabeça. como seria já dia, não daria para
ver. mesmo assim por um tempo pensei nas três pessoas que estão ali, orbitando
a terra enquanto a gente se tranca em casa. eles também estão trancados. menos
chances ainda de sair. não há janela pra rua, nem palmas, nada. o azul da terra
e um espaço mínimo de convívio. penso na laika que morreu de susto e sem ar. o
que a gente faz com os “outros”, com os que consideramos diferentes, é tão
cruel. se não for comigo, não estou nem aí? ou tanto faz o que acontece desde
que não me afete. o que é que não me afeta?
escutei
também a fala de um astronauta sobre como lidar com o medo. ele diz que saber
mais é que reduz o medo. não é bom lidar com os riscos simplesmente cruzando os
dedos. depois, ele explicava a beleza de se afastar da terra, de deixar para
trás um ponto pequeno no mapa e olhar para a imensidão que, escura, se revela
estrelada à sua frente. tenho me sentido assim, vamos dentro de uma nave, já
saímos do lugar que era a nossa casa e
olhamos pra frente, alguns pontos luminosos. como é que se faz pra traçar
caminhos entre os pontos luminosos? não sei. por estes dias sei que sei muito
pouco.
este misto
de esperança e tristeza. como num artigo que anda circulando por aí. e, com diz
uma amiga querida, uns dias mais tristeza, noutros alguma esperança. olho,
olho, olho e não sei nada.
***
miklos
radnoti foi um poeta húngaro nascido em
1909 e que morreu em 1944 depois de ter sido obrigado a marchar muitos
quilômetros por tropas nazistas em retirada, esvaziando campos de concentração para não deixar testemunhas. quando já não podia mais andar,
não bastou aos soldados deixá-lo abandonado. fuzilaram. jogaram o corpo numa
vala comum. dezoito meses depois, quando fizeram a exumação, encontraram um
bloquinho no bolso. ele seguiu escrevendo escrevendo escrevendo até o final.
que grito é esse que a gente tenta lançar pro universo, pro futuro, pra gente mesmo? o que ele escreve é um misto de tristeza e esperança.
Mellézuhantam, átfordult a teste
s feszes volt már, mint húr, ha
pattan.
Tarkólövés. – Így végzed hát te is,
-
súgtam magamnak, – csak feküdj
nyugodtan.
Halált virágzik most a türelem. -
Der springt noch auf, – hangzott
fölöttem.
Sárral kevert vér száradt fülemen.
Despenquei ao seu lado, seu corpo revirou
e já estava tenso como corda a ponto de se romper.
e já estava tenso como corda a ponto de se romper.
Tiro na nuca - É esse também o seu fim, -
sussurrei para mim mesmo – só fique quieto.
A paciência agora está florindo morte. -
Der springt noch auf - soou acima de mim.
Lama com sangue secou no meu ouvido.
sussurrei para mim mesmo – só fique quieto.
A paciência agora está florindo morte. -
Der springt noch auf - soou acima de mim.
Lama com sangue secou no meu ouvido.
(Miklos Radnóti, Szentkirályszabadja, 31 de outubro de 1944)
***
a luz da
tarde bate nas plantas e o verde fica meio luminoso, as flores ganham uma
intensidade que eu diria maravilhosa se maravilha não fosse uma cor específica.
é como se tudo tivesse sido criado agora mesmo. um início. estou metida num
projeto que brinca com a ideia de que todo fim é também um começo. sabemos que é assim, sempre. mas às vezes é mais difícil visualizar o que é que começa neste fim.
***
lembrei do
dia que fui com chico até o pelezão para fazer exame de saúde para podermos
usar a piscina que quase sempre estava fechada mas quando estivesse aberta só
poderiamos usar se o exame de saúde estivesse em vigor e fomos e era de tarde e
depois de passarmos pelo médico – nem lembro do médico nem do exame – lembro
que estávamos esperando um pouco porque a chuva que ameaçava era imensa, estas
tempestades tropicais o céu cinza escuro cada vez mais baixo raios e trovões e
água, muita água e quando a chuva parecia ter amainado, voltávamos para casa e
ao pular a água da enxurrada, chico perdeu um pé de havaiana, ele estava com as
minhas havaianas, não sei por que, e lembro da havaiana indo na enxurrada como
um corpo morto no longo rio como um tronco de madeira ilegal cortado no escuro
da noite transportado mogno para ser móvel nas casas ricas da europa. as águas
sujas de sarjeta da cidade, o céu baixo, nuvens densas e escuras, e a havaiana
indo como se fosse alguém que a gente amasse.
***
a gente sabe que tipo de pessoa, ao saber das mortes, ou de qualquer morte, diz "e daí?". só se surpreende quem quis se enganar.
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