uma reflexão pouco elaborada e sem qualquer poesia.
desde que não saímos de casa, seria possível dizer que todos
os dias são iguais só porque o cotidiano se concentrou num espaço mais
restrito?
tenho pensado nisso, sem conseguir concordar. a tal lista
que comecei há alguns dias, das sete coisas vistas, ouvidas e feitas, deixa
muito claro que nenhum dia é igual ao outro. por mais que eu busque uma rotina,
ou, melhor dito, uma dinâmica para os dias, cada dia é diferente do outro. os
horários se alteram um pouquinho, o que se come, o que se vê, o que se faz e,
principalmente, o que se conversa presencial ou virtualmente. o que se elabora é sempre outro. e sempre
chegamos diferentes ao final do dia.
fiquei curiosa para saber como é o dia a dia dos outros. o
que as outras pessoas fazem no isolamento social? o que você faz?
aqui acordamos por volta das oito, tomamos café da manhã e
às nove já cada um engrenou nas atividades de estudo , trabalho ou atividade
física. por volta da uma um de nós começa os preparativos do almoço, que cada
dia é diferente e de tempos em tempos é um restê trasdontê. almoçamos por volta
das duas. louça na máquina, cada um volta pras suas atividades. paramos às
oito, todo dia, há mais de um mês, para bater palmas nas janelas e varandas, é
o momento do dia e que nos sabemos claramente partícipes de um coletivo mais
amplo. daí jantamos e assistimos algum filme ou série. antes de dormir, lemos
ou conversamos, ou ficamos em silêncio. ao longo do dia, conversamos por
escrito com amigos e família. às vezes conversamos por videochamada também, mas
é menos.
uma ou duas vezes por
semana pomos roupa pra lavar na máquina, e é preciso estendê-la e, depois de
seca, dobrá-la.
a cada duas semanas fazemos faxina, concluímos que não é
preciso mais do que isso. trocamos os lençóis, as toalhas.
de tempos em tempos regamos as plantas – cada planta tem seu
tempo.
uma vez por semana, o melhor é quartas ou quintas, organizamos
a lista de compras e um de nós sai, como se saísse pro front.
nos finais de semana alteramos deliberadamente a rotina.
mudamos a hora de levantar, vemos filmes mais longos, algum jogo de mesa.
mudamos o café da manhã pra lembrar que é domingo. fazemos uma comida diferente.
não nos falta comida. não nos falta gás. não nos falta
conexão à internet. não nos falta água nem luz.
***
reparo também que se consome muito menos coisas.
venho elaborando internamente uma resposta pra pergunta de
como o mundo poderia se organizar sem ser em torno de uma lógica de
desenvolvimento que signifique sempre aumentar o consumo para que se aumente a
produção (os economistas sempre argumentam que só a produção, e o seu
crescimento, permitem gerar empregos, como se os empregos fossem um fator de
distribuição de renda).
meu pensamento simplista é: repare que ao comprar produtos
em geral aumentamos a concentração de renda. se alguém tem uma máquina de
produzir copos, contrata duas pessoas para controlar a máquina, produzirá
milhares de copos por mês. quanto mais copos forem vendidos, mais ganha o dono
da máquina, que continuará pagando miseravelmente os seus dois trabalhadores.
por outro lado, ao comprar serviços, como o trabalho de alguém que faça uma
faxina, sem a intermediação de uma empresa, reduz-se a concentração de renda.
que produtos a gente precisa? que serviços?
é uma lista difícil, mas não deve ser impossível.
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