mu, o espaço entre as coisas. isso que parece vazio.
difícil pensar o vazio. quem não sabe de que é feito o ar
que respiramos pensa que é o vazio que nos circunda. quem pensa no desenho
tradicional de um átomo pensa que estamos, mesmo, cercados de vazio. pensa,
inclusive, que somos feitos de vazio. que somos feitos pelo espaço entre as
coisas. pelo vazio das coisas.
um copo vazio cheio de ar.
em tempos tão cheios, me esvaziar.
***
não sou especialista em glenn gould. várias das suas gravações
para piano e órgão me acompanham há muito tempo. é uma trilha sonora que me
ajuda a ter um eixo e, havendo eixo, é como se fosse possível voltar a fazer
tudo girar.
quando vi o filme composto por não sei quantos curtas para explicar
quem foi glenn gould, me apaixonei pelo filme e mais ainda pelo músico. uma das
coisas que me fascinou foi sua decisão de não fazer mais apresentações
por considerar que nem todos os que estivessem numa sala de concertos poderiam
aproveitar da mesma maneira. além disso, nem todos poderiam pagar para estar numa
sala de concertos. e se dedicou a gravar discos em vez de apresentações.
***
estes dias tenho pensado nisso. nada de apresentações, nada
de shows, teatros, cinemas. e uma falsa ideia de que agora todos temos um
acesso igual à cultura, à arte. quando tudo parece igual para todo mundo, em
geral as desigualdades continuam se aprofundando. o mundo não é assim ou
assado. ele está assim ou assado. depende do que se faz ou se deixa de fazer.
***
basta meter a semente na terra e já se desenha a espera em
mim. o fermento na farinha. o filho na barriga. o sonho no sono. tudo cresce no
escuro e se faz nesta espera que parece parada. e no entanto.
tudo o que vive espera.
as árvores no seu quase não-movimento.
e também a pedra e o coração da pedra. esperam.
talvez nosso tempo seja
muito curto para apreciar o parto da pedra, seu respirar. e ela nos parece incompreensível.
como uma água grávida.
ou um campo de papoulas explodindo em vermelho. que ninguém
vê.
***
para evitar angústia, faço o que fiz quando há uns anos
enfrentamos uns dias duros de uti.
2 comentários:
Basta meter a semente na terra, sim, seja a semente o que for, seja a terra que for.
Haverá dias melhores!
Um beijo
dias-sementes no escuro da terra.
bom "revê-la". um beijo.
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