aos poucos,
chegam histórias de horror, como se a morte, qualquer morte, em meio a esta
pandemia já não fosse suficientemente horrorosa, uma vez que quem morre não tem uma mão para segurar e quem fica não pode se despedir, não tem como viver o luto com serenidade. não há
serenidade nestes tempos.
leio que como
não há possibilidade de se atender todas as pessoas que precisam ser entubadas,
em alguns países as equipes médicas já tiveram que tomar decisões duras entre
uma vida ou outra. hoje também soube que uma mulher de 90 anos abriu mão do
respirador para que outra pessoa mais nova pudesse usar, argumentando que já
tinha vivido o suficiente. e morreu.
sei que há beleza
neste gesto, mas sei também que é uma situação que não deveria existir: não faz
sentido algum alguém ter que escolher entre a manutenção de uma vida ou outra,
cada um é um, uma coincidência única no tempo e no espaço.
me faz lembrar alguns casos nos campos de
concentração nazistas, em que algumas pessoas de fora dos campos se ofereciam
em troca de quem estava lá dentro. especialmente no lugar de crianças que
seriam mortas. e a troca se fazia. como assim? se havia alguém que cuidava das
mortes, e aceitava um voluntário para morrer no lugar de outras pessoas, como é
que esse alguém seguia matando, como é
que não se dava conta do absurdo de contabilizar as mortes, do absurdo de matar?
mais
recentemente o aplicativo de uma rede social também anunciava: para cada
centavo que o usuário doasse, a empresa dona da rede social, também doaria um
centavo. por que a empresa não doa de uma vez? por que fazer o usuário (em
geral a ponta frágil e pobre de um grande mecanismo) se sentir responsável por
uma coisa que não é sua responsabilidade? se a empresa tem dinheiro, que doe.
ou que pague mais impostos. ou.
e sei
também que não é o acaso que vai definir
as mortes nesta pandemia. há um cálculo concreto que leva em conta quanto se
investiu em leitos de uti, em pesquisa, em políticas públicas de saúde em cada
país ou região. é isso que definirá se haverá mais ou menos mortes entre as
diferentes coletividades do mundo.
e quanto
menos leitos de uti, mais será preciso fazer listas. não serão listas de desejos
como fazem as crianças para lidar com a imensidão do mundo, mas listas
perversas, que alguém terá que fazer, colocando vidas na balança: e que vida
vale mais? e quem quer ser este alguém que decide qual vida segue viva e qual vida se
acaba? quem quereria ser este anjo da morte. e, depois, quando ultrapassarmos
esta voragem, quem vai lidar com o
pesadelo desta gente - dos que sobreviveram às custas de outras vidas, e dos
que tiveram que tomar a decisão?
não há nada
neste e nos próximos momentos que não diga respeito a todos nós.
acendo uma
vela.
e espero.
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