15 de abril de 2020

como el musguito en la piedra





tenho esquecido as coisas. penso vou fazer tal coisa, ou vou escrever sobre tal outra coisa, até chegar no caderno para anotar, já me esqueci. esqueço também o que comi no dia anterior. esqueço. esqueço. às vezes, do nada, volto a me lembrar, e volto a me esquecer. talvez nada seja tão importante de ser lembrado.

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quando faço exercício é quando mais penso nos bichos do zoo. há um mês penso várias vezes nos animais enjaulados. primeiro, pensei no silêncio que eles têm agora. nada de barulho do público (quem mede o barulho da terra diz que agora a terra está bem mais silenciosa, os humanos cada qual no seu canto). depois de pensar neste silêncio que eles passaram a ter, comecei a reparar nos gestos, nos movimentos dos animais num zoo. ou de um cão preso em apartamento. um gato. qualquer bicho. e olhando para os meus gestos, os meus movimentos, fui me vendo no lugar do cão, do chimpanzé, do golfinho, do tigre. o tigre, a onça, a pantera, somos nós tentando gastar energia andando dentro de casa de um lado pro outro, repare. e quando ficamos sem fazer nada, neste instante de olhar pela janela, buscando um mínimo de horizonte entre os prédios vizinhos, somos o gorila por trás do vidro do zoo. penso no abutre imenso, que gosta das alturas, preso ali no alambrado. até num peixe minúsculo num aquário, penso. depois, volto a pensar nas bactérias. e nas árvores. e nas nuvens.

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antes de começar o confinamento, estava organizando um clube de leitura. livros de mulheres, dez livros maravilhosos, trechos ou capítulos, não os livros inteiros. agora, os livros estão empilhados ao meu lado na mesa de trabalho, as páginas marcadas, e não sei muito bem o que fazer com eles. é como se o mundo se movendo lentamente, tão lentamente, não nos permitisse pensar quando chegará um outro tempo. um novo movimento. musgo sobre as pedras.

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mandei este poema traduzido pelo zaidenwerg para as pessoas todas que tinham me convidado pra corrente de poesia e que não aceitei. pensei que seria um jeito delicado de agradecer o convite. além de ser um texto muito apropriado para os dias. procure titilope sonuga na internet.



Cómo se cura una herida (Titilope Sonuga)

i
enjuáguela con agua con sal
es la única manera
de que salga el veneno
van a venir las lágrimas
déjelas que vengan

ii
va a tener que aplicar
un ungüento curativo
la única cura del odio
es más amor
aplíquelo con generosidad


iii
que la herida respire
no la vende
hasta que reviente y supure
 
dígala y déjela
déjela


iv
no se arranque la costra por nada del mundo

2 comentários:

Alvaro Vianna disse...

Saudade imensa de comentar aqui.
O mundo precisa dos cientistas agora, mas também de cronistas com sua argúcia pra decifrar esse momento único da história da humanidade,

v. paulics disse...

álvaro, querido leitor, acho que eu também estava com saudade de vir aqui escrever. um espaço onde tudo me parece menos grito perdido no universo das redes. só não sei bem se tenho argúcia ou se tenho capacidade de decifrar este momento, com certeza único, da nossa história. sei que tenho lampejos. vamos conversando, sonhando juntos. né?