17 de abril de 2020

vida de zoo


com isso de me sentir um animal na jaula, fui parar numa página que era triste e bonita ao mesmo tempo. são câmeras de um zoo que transmitem ao vivo alguns dos animais que vivem presos lá. pode-se acompanhar um elefante, um urso panda, um leão (que nem saiu do lugar), uns ratinhos e, principalmente, um guepardo-fêmea que deu à luz quatro guepardinhos.
os filhotes nasceram no dia 08 de abril. são minúsculos. enquanto trabalhava no computador, deixei aberta a janela da live e por muito tempo fiquei  olhando, acompanhando, como se eu estivesse de um lado da janela e assim como eu os vejo, eles me vissem. e de algum modo era emocionante ver como os filhotinhos se amontoam uns sobre os outros num cantinho, como a mãe chega pra eles mamarem, como ela os lambe, como ela os afasta, como ela se afasta, como ela volta e se aproxima e eles então sobem sobre ela e ficam quietinhos, ela sempre atenta a qualquer ruído que venha de fora.
a visão toda, gerou, por um lado, alegria por me relembrar as vezes que convivemos com bichos parindo em casa, o morninho dos filhotes, o carinho da mãe. por outro, um constrangimento desta invasão da qual o bicho não sabe. ele acha que está ali numa espécie de toca, preso no escuro e sozinho (com seus filhotes, no caso da guepardo-fêmea), mas há milhares de olhos sobre ele, também os meus.
comento com meu filho. ele diz: pode ser que nós também estejamos sendo observados neste momento. não gosto da ideia, mas, pelo que constato, ele não se preocupa muito.
antes de eu ir dormir, o guepardo-fêmea e seus filhotes tinham sumido de frente da câmera. vi o elefante fazendo uma espécie de dança meneando o corpo, movimentando as pernas da frente e a tromba, um movimento de navio, lento, no mar imenso. o panda cotinuava largadão e o leão desaparecido entre as pedras.
no meio da noite acordei pensando neles, nesses bichos todos. bebi água, demorei a dormir.
o panda gigante está  agora no meio da noite dele, com insônia talvez, sei lá, comendo bambu, como quem pensa na vida. 

***

sobre o que escrevi ontem, não acho que a vida tenha que ser assim, neste distanciamento social. acho que os dias ficam muito parecidos, sim, sem os encontros e o acaso que os encontros permitem, a novidade ao olhar o mundo que é sempre outro também em casa, mas que é mais outro quando vemos outros horizontes. o principal tema que quero pensar não é o ascetismo,  mas a possibilidade de vivermos de forma mais simples no consumo e na produção. que não sejam o trabalho (no sentido do emprego, que nos gera renda) e o consumo o que nos realizem, mas o espaço dos encontros e da criação.

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