1 de abril de 2020

nos dias cinzas


antes, parecia que os dias ensolarados pioravam a sensação de estarmos fechados em casa. mas agora que já passaram tres dias cinzas, frios e chuvosos, acho que os dias de sol pelo menos davam ânimo para tocar o cotidiano.  além disso, com a chuva, é como se as folhas das árvores crescessem mais rápido e,se seguirem neste ritmo, daqui a pouco não veremos nem os vizinhos na hora dos aplausos. as figuras já difusas se reduzirão a uma cumplicidade sonora. e só.

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se isso fosse uma guerra, haveria o dia em que a paz seria declarada e todos teríamos a falsa ilusão de tudo voltar ao normal. ainda que nunca tenha havido nenhuma normalidade. mesmo porque a imagem das pessoas saindo às ruas para comemorar o final de uma guerra, desde que me chegam notícias de guerras de verdade, só me parece possível em filmes. quando se declara o fim de uma guerra, está tudo tãp destruído e ninguém nunca é vencedor.
e como isso é um vírus, não uma guerra, não haverá um armistício, um cessar fogo decretado. não se suspenderá a quarentena num momento específico, a partir do qual poderemos sair pras ruas, nos ver e abraçar e compartilhar espaços, como se nada tivesse acontecido. não. se a quarentena caiu de um momento a outro sobre nossas vidas, sair da quarentena será lento. e ainda vai demorar. o pior ainda não chegou. nem nesta cidade nem no mundo.
não quero pensar no pior.

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enquanto isso damos voltas na jaula, inventamos paisagens e procuramos adivinhar o que acontece nos lugares do mundo onde nenhum de nós está.

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